Criticando o "Ceticismo"

 

Pseudo-cético em seu passeio matinal,
munido de suas ferramentas para uma análise
imparcial e desapaixonada das evidências de paranormalidade.

 

     

 

Definições

Ceticismo: o ceticismo a rigor é a dúvida. É o "não saber se algo está certo ou não". Existe uma grande diferença entre, de um lado, "não saber se algo está certo ou não", e, de outro lado, "desconfiar que algo não está certo". Na prática, quando se diz que alguém é cético com relação a algo, quase sempre está se querendo dizer que esta pessoa desconfia que algo não está certo. O ceticismo enquanto dúvida ("não saber se", em oposição a "desconfiar que não") é um componente essencial e indissociável do processo científico normal. Basicamente, o cientista, e a Ciência, se resumem a: Ceticismo + Investigação. Já o ceticismo enquanto "desconfiança" (desconfiar que algo não é verdadeiro) não é necessariamente parte do processo científico.

Pseudo-ceticismo: uma pessoa pode ser um cético em qualquer dos dois sentidos definidos acima e ainda assim ser um verdadeiro cético. Contudo, existem pessoas que se dizem céticas no sentido de desconfiarem que algo não é correto, mas que fazem isso enormemente motivadas por fortes crenças que elas possuem com relação a uma alternativa oposta. Isso é muito típico em algumas pessoas que são adeptas da crença no ateísmo-materialista e que se rotulam como "céticas", querendo dizer que desconfiam que estão erradas coisas como "vida após a morte", "paranormalidade", "espíritos", etc. O fato de tais pessoas não estarem cônscias de sua própria faceta crédula me leva a classificá-las como "pseudo-céticas". O pseudo-cético típico é o cara (ou a moça) que se considera mais "racional" do que os crentes de outras convicções, apesar dele próprio nutrir crenças tão ou mais irracionais e incompatíveis com a Ciência estabelecida do que os seus desafetos (que é justamente o que ocorre com o materialismo). A rigor, ninguém é um pseudocético. O ceticismo e o pseudoceticismo, a crença e a descrença, convivem todas juntas em cada um de nós. Para combatermos o pseudo-ceticismo (se de fato consideramos isso necessário), o primeiro e principal lugar onde devemos procurá-lo é dentro de nós mesmos.

Movimento Cético e Moderno Ceticismo: pelo menos desde fins do século XIX, já existia uma parcela considerável de pessoas que a partir de um ponto de vista ateu-materialista desconfiavam que não existem coisas como espíritos, vida após a morte, telepatia, premonição, etc, e analisavam e criticavam ativamente tais coisas. Um marco importante nisso se deu em meados da década de 70 (século XX), com a criação nos Estados Unidos do Comitê para Investigação Científica das Alegações de Paranormalidade, (CSICOP - Committee for the Scientific Investigation of Claims of the Paranormal). Esse evento é considerado por muitos como o nascimento do Moderno Ceticismo, e desde então muitas vezes quando se diz que alguém é um cético está se querendo dizer que esse alguém é membro do movimento cético professo organizado. Esse tipo de Ceticismo Organizado se espalhou pelo mundo, e hoje até no Brasil (desde por volta de 1999) temos nossas organizações céticas tupiniquins. Aparentemente, o surgimento do CSICOP se deu devido à uma forte reação de alguns segmentos da sociedade estados-unidense contra a "Nova Era", que foi um grande crescimento de crenças místicas orientais (incluindo a crença na reencarnação) que se abateu sobre os Estados Unidos (e muitos outros países) desde inícios da década de 60 (século XX). O moderno ceticismo, portanto, foi (e é) um fenômeno social tipicamente conservador e reacionário, que inclusive conseguiu a proesa nada modesta de juntar ateus-materialistas aos cristãos protestantes estados-unidenses contra as perigosas novidades estrangeiras. Muitas pessoas não sabem, mas um dos quatro principais céticos fundadores do CSICOP não é ateu materialista, e sim um crente no teísmo ortodoxo: Martin Gardner! (os outros três, ateus-materialistas, são: Paul Kurtz, Ray Hyman, e James Randi, sendo que este último se afastou do CSICOP para evitar que os muitos processos judiciais que estavam lhe sendo dirigidos acabassem recaindo também sobre o CSICOP, o que muitos temiam poder levar o movimento cético à falência).

Paranormalidade ou "Psi": É a "grande inimiga" dos "céticos". Há muita controvérsia e incoerência na definição de paranormalidade (ou psi). Mas eu uso esse termo me referindo a uma ação nossa (ou de outro ser vivo) sobre o meio ambiente, ou uma percepção nossa a respeito do meio ambiente, sendo que tal "ação-percepção" se daria sem o uso dos cinco sentidos conhecidos (visão, audição, olfato, gustação e somestesia) ou dos mecanismos motores conhecidos (movimento dos membros, etc), e possivelmente baseado em alguma força desconhecida que não as quatro usualmente aceitas pela ciência atual (gravitação, eletromagnetismo, força nuclear forte e força nuclear fraca).

 

Delimitando o Problema

O Que Há de Errado com o Movimento Cético? O movimento cético é, como tudo que fazemos, obra humana. É algo falível, e que possui obviamente virtudes e defeitos. Cada organização cética específica, e cada cético enquanto indivíduo, possui diferenças e peculiaridades nessa balança entre virtudes vs defeitos. No Brasil, o movimento cético ainda é fraco (apesar de já ter conseguido amealhar uma quantidade nada desprezível de erros...). No primeiro mundo (especialmente Estados Unidos e Inglaterra), o movimento cético conseguiu atingir uma boa força e influência, principalmente junto a importantes e estratégicas instituições científicas (especialmente revistas científicas de grande prestígio, como a inglesa "Nature" e a estados-unidense "Science") e tem exercido alguns efeitos positivos mas também outros efeitos negativos sobre o processo científico e sobre a sociedade. O principal efeito negativo do que podemos chamar de "Dobradinha CSICOP-James Randi" tem sido uma exacerbada e indevida ridicularização e execração da pesquisa parapsicológica, também chamada de Pesquisa Psi. A pesquisa psi atingiu, nos últimos 20 anos, um nível de qualidade inimaginavelmente sofisticado e respeitável. Além disso, as evidências experimentais para alguns fenômenos psi, como telepatia principalmente e premonição em menor grau, se acumularam de modo consistente e robusto. Contudo, a população em geral, e mesmo a comunidade científica em especial, está grandemente afastada do conhecimento disso. E mais: há uma enxurrada de informações incorretas, deturpadas, quando não mentirosas mesmo, a respeito do atual estado da pesquisa psi. E isso é promovido ativamente por alguns membros do movimento cético organizado, incluindo as principais e mais influentes figuras do CSICOP.

Qual a Base Social Disso? Os excessos dos céticos e do movimento cético não se dão sem motivo. Se por um lado o status quo nas instituições científicas dos Estados Unidos é, aparentemente, predominantemente materialista, por outro lado a sociedade como um todo é predominantemente espiritualista. Diversas situações de "excesso nocivo de credulidade" tem de fato acometido este país, conforme relatado em minúcias por Carl Sagan (também membro fundador do CSICOP, falecido já há alguns anos) no livro "O Mundo Assombrado Pelos Demônios", de 1995. E há uma forte associação (principalmente no ideário popular, mas também no pensamento e na prática de alguns pesquisadores psi) entre a parapsicologia e as crenças ou alegações místico-religiosas, associação essa raras vezes lucidamente embasada por sólidas evidências e bons raciocínios lógico-científicos. Muitos pesquisadores psi lutam para desvencilhar a parapsicologia de tal associação. Outros tentam trabalhar justamente sobre a base legítima (mas socialmente perigosa) de tal associação. Essa situação é ainda exacerbada pelo fato de muitos céticos serem "céticos profissionais", cujas carreiras e ganhos monetários repousam sobre a refutação da paranormalidade (e, sinceramente, eles por vezes parecem valorizar mais as próprias carreiras e os próprios bolsos do que a verdade e os interesses científicos e sociais...). O saldo final é uma situação complexa e difícil de ser alterada,. Uma verdadeira "guerra psi", em uma bizarra versão moderna das Cruzadas Medievais. Não foi por outro motivo que, em 2003, a respeitável revista científica "Journal of Consciousness Studies", ao lançar uma edição especial apresentando as evidências dos pesquisadores psi e as contestações dos céticos, escolheu para título de tal obra o nome "Psi Wars", ou Guerras Psi (em trocadilho também com Star Wars, "Guerra nas Estrelas"). Um dos editores desse livro alegou que nem em várias décadas de sua militância na área teológica ele havia visto uma animosidade e desconfiança tão feroz como a com que ele se deparou entre os cientistas céticos e cientistas pesquisadores psi. Sem dúvida isso dá o que pensar...

Quem Perde Com Isso? Todos nós interessados no conhecimento da verdade perdemos com essa situação. Evidências pró psi, como por exemplo evidências a favor da telepatia (obtidas nos experimentos Ganzfeld, já com um acúmulo de dados sólido e respeitável há pelo menos 19 anos - escrevo esse texto em fins de 2004), são rejeitadas não por critérios técnico-científicos, mas muito por medos explícitos ou tácitos de que ao se conceder o status de "minimamente comprovado" para a telepatia isso acabe levando a um aumento de credulidades exóticas e da exploração criminosa e danosa de tal credulidade, bem como levando também a uma diminuição das credulidades "não exóticas" (ou seja, diminuição das crenças espiritualistas dominantes: cristianismo protestante e católico). Penso então que o grande desafio dos verdadeiros céticos e dos verdadeiros proponentes de psi é desarticular essa Guerra Santa. Para isso, os excessos de ambos os lados precisam ser desincentivados e diminuídos, e as credulidades espiritualistas e materialistas devidamente reconhecidas, admitidas, e colocadas em seu devido lugar, que pode até ser o lugar de motivadores de pesquisas e de refutações, mas que jamais pode ser o lugar de norteadores de tais ações.

Mas Afinal, que Diabos é Psi? Já que os céticos se batem contra a paranormalidade, e há também os pesquisadores que a defendem, há que se perguntar então o que é paranormalidade? O que é psi? "Paranormal", assim como "sobrenatural", é um termo incorreto, internamente incoerente, e indutor de erro. Se algo existe, não pode ser "sobre" "natural"; é, ao invés, pura e simplesmente, algo "natural". Da mesma maneira, não há coisas "para" "normais". Existem, no Universo, coisas que são raras, coisas que são ubíqüas, mas é, penso, mais acertado pensarmos em todas elas como coisas "normais" (em sentido similar a "naturais"). O termo "psi" como sinônimo de "paranormal" surgiu talvez como uma tentativa de transpor tais percalços conceituais. Na prática, o que muitos (eu incluído) querem dizer ao usarem termos como "psi" ou "paranormal" seria um fenômeno que não esteja baseado nas forças físicas conhecidas (gravidade, eletromagnetismo, força nuclear forte e força nuclear fraca), e que não seja mediado por nenhum de nossos cinco sentidos (visão, olfato, gustação, audição, e somestesia). Contudo, nós precisamos ter em mente que algo que pareça não estar baseado nas quatro forças e nos cinco sentidos pode na verdade estar baseado em tais forças ou sentidos, e ser apenas uma ilusão esse aspecto de violação do conhecimento científico atual. Isso se aplica mesmo para coisas bem extremas, como Deus ou deuses (se existirem), espíritos (se existirem), telepatia, psicocinese, e mesmo premonição.


 



Eu ao, muitas vezes, tentar encontrar erros nos céticos e acabar encontrando erros em mim mesmo...